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Entrevista ao Jornal O Norte Desportivo - Portugal - 1996


Só adere às seitas o indivíduo ignorante

Quem dizem os homens que eu sou?, perguntava Jesus aos discípulos, enquanto tomavam a Ultima Ceia. Esta mesma pergunta poderia fazer o nosso convidado desta edição, já que a razão da sua estadia em Portugal bem pode suscitar interrogações. Não que a importância das figuras seja comparável, mas pelo desconhecimento que a sua atividade paraprofissional ainda encerra no nosso País.

Raul Teixeira é um cidadão brasileiro, que há 46 anos nasceu em Niterói. formado em Física pela Universidade Federal Fluminense, onde fez também a pós-graduação em Metodologia do Ensino de Física. Para além de exercer o ensino para o qual se diplomou, o nosso convidado é orador espírita, função que o trouxe até ao nosso País com o propósito de efetuar uma série de conferências, no Norte e no Sul. Hoje Raul Teixeira está na Invicta, realizando uma palestra subordinada ao tema A Vida Psíquica e as Obsessões, no Hotel Ipanema Park, a partir das nove horas.

De verbe fácil e um sentido comunicativo extremamente apurado, Raul Teixeira é um dos mais conceituados espíritas brasileiros, tendo já editado diversos livros sobre a doutrina.

Em relação a Portugal, e não sendo a primeira vez que cá vem, diz: Noto o povo mais aberto, a esperança crescendo, um maior incentivo no crescimento das pessoas. Percebo que há ventos novos em Portugal. Uma juventude dinâmica. Ao lado de todas as dificuldades naturais.

Dinheiro à parte

Apesar da sua bagagem intelectual e moral e dos pobres que possui, não se arvora em superior: Uma vez que estamos num mundo de contradições, jamais me poderia colocar num lugar acima de qualquer suspeita. A cada momento da minha vida dou-me conta de várias contradições, a diferença está em que antes dava-me conta delas e mantinha-as, enquanto que agora procuro corrigi-Ias.

Teve alguns problemas de relacionamento social devido a esse sentido espírita que possui?

Até hoje não. As pessoas, à minha volta, que são preconceituosas não se manifestam.

A sua intervenção como espírita é feita com sentido de solidariedade ou com propósitos comerciais?

Nós, os espíritas, não ganhamos dinheiro com o que fazemos, pelo contrário, pagamos para fazer. O que acontece é que quando comecei a desenvolver a minha fala, as minhas exposições na instituição onde comecei, alguns visitantes de outros lugares pediam para eu ir a outras cidades. Então, comecei a ser convidado para realizar essas atividades fora da minha instituição, que mantinha uma escola de orientação espiritual, num presídio na nossa cidade. Aos domingos passei a visitar os presos e a fazer exposições espíritas, que fui desenvolvendo, até ao ponto de começar a ser convidado para ir a algumas cidades do nosso Estado, a cidades de outros Estados, depois já estava a correr o Brasil inteiro, e hoje já são 32 países que visitamos para pregar a Doutrina Espírita.

É verdade que o espírita rejeita os benefícios materiais pela influência que possam ter?

Exatamente. O Espiritismo ensina-nos, com Jesus Cristo, que nós devemos dar de graça o que de graça recebemos, e nós não pagamos nada pela capacidade de captar as coisas do além, portanto não temos o direito de cobrar nada por isto.

Dar esperança

Quais são os objetivos das suas conferências?

É, precisamente, traçar o perfil da nossa vida atual e trazer a proposta da Doutrina Espírita para modificá-lo para melhor, baseada no Evangelho de Jesus Cristo. O nosso propósito é trazer às pessoas esta reflexão. O Mundo está, de fato, a viver uma ondulação muito alta, com quebras muito pesadas, mas nós podemos ter muitos fatos de salvamento, muitas possibilidades de sair ilesos desse furacão, dessa tormenta. Então, a proposta das nossas palestras consiste em trazer esperança nova às pessoas.

E os contatos que tem com os Espíritos são espontâneos ou provocados?

Inicialmente eram espontâneos, repare que eu era criança...

Mas atualmente?

Depois, aprendi como entrar em contato com eles. Entro num estado psíquico de relaxamento, que me facilita fazer esse intercâmbio. Hoje com alguma experiência já sei como se estabelece, ou não, contato com os Espíritos.

O misticismo é algo que hoje preocupa as sociedades modernas. Nunca receou que se pudesse confundir o Espiritismo com atos místicos que induzem as pessoas para realidades e pensamentos com o objeto de se aproveitarem das suas fraquezas?

Nunca tive essa preocupação, porque creio na honestidade do que faço. Não posso garantir o que os outros fazem. Também muita gente se utiliza de pequenos conhecimentos de ciência para sugerir às pessoas coisas absurdas.

Por exemplo?

Quando surgem os prestidigitadores que dizem estar a ler o pensamento das pessoas, mas é tudo arranjado. As pessoas julgam que aquilo é parapsicologia, que é um dom que o outro tem para ler o pensamento, embora saibamos que a captação do pensamento foi cientificamente demonstrada, neste século, por Joseph Rhine, nos Estados Unidos.

Poderes

Alguma vez o desafiaram, por exemplo, a partir um candeeiro, fazer voar uma cadeira etc?

Nós só somos desafiados com aquilo que queremos, como não sou circense, nunca me senti desafiado para fazer uma coisa para a qual sei que não tenho capacidade.

Até onde vão os seus poderes?

Não vão muito longe.

São curativos?

Não sei. Quem pode dizer até onde vão esses poderes são as pessoas que estão junto de mim. O que sei é que os Espíritos amigos se utilizam da minha capacidade de escrever para enviarem mensagens de conforto, de orientação e de ajuda, e valem-se da minha capacidade psicofônica, levando-me a falar determinadas coisas que, certamente, vão causar benefícios às pessoas. Agora, o grau de benefícios não está somente naquilo que falo ou que escrevo, está no grau de abertura das pessoas. Se alguém vai a um médico, que é excelente, e este lhe receita um medicamento, mas o doente não o toma, o problema deixa de ser do médico. O nosso trabalho é o da educação, da orientação das pessoas, de fazer com que haja menos tormentos na Terra e, na área em que tenho influência, o meu dever é tentar diminuir a agrura das pessoas...

Como?

Através da sua saída da ignorância. O meu trabalho é esclarecer, dar-lhes uma opção de caminho espiritual.

Para muitas pessoas o Espiritismo está relacionado com aspectos da paranormalidade e não é raro ouvir contar que determinado médico disse ao seu paciente que a doença de que sofre não pertence ao foro da Medicina. É normal isso acontecer?

É comum, sim. Existem enfermidades e enfermidades. O notável Hipócrates afirmou que não existem doenças, existem doentes. Então, tal seja a perturbação do indivíduo, tal serão as manifestações sobre o seu corpo. Porque a doença deste foi provocada pelo problema daquele, e a doença de outro pela de outro, e assim sucessivamente. Se um médico verifica que dentro da Medicina oficial já não existem caminhos que orientem as pessoas, diz que naquele caso tudo leva a crer que tenha raízes espirituais. E ele não sabe que todos os problemas de saúde têm raízes espirituais, ainda que se manifestem no corpo.

Reencarnação

Entra aí a reencarnação?

Exatamente. Nós estamos na presente existência a receber as respostas dos nossos atos passados. E Jesus Cristo, para aqueles que crêem Nele como guia da Humanidade, disse-nos isso, a cada um seria dado conforme suas obras. O importante é que nós admitamos que sendo Deus perfeito, Ele não pode fazer na Terra uma coisa imperfeita para nós.

Todos nós somos seres reencarnados?

Cada um de nós é um ser reencarnado.

Mas existem Espíritos maus?

Claro, porque os Espíritos são homens sem corpo. Se eu sou mau, aqui e agora, e largo o meu corpo neste momento, continuo a ser mau. Mau não é o meu corpo, sou eu.

Então como é isso de um Espírito atormentar uma pessoa?

A sua alusão já nos leva à mediunidade, para as obsessões. É comum encontrar uma pessoa encarnada que esteja a ser atormentada por outro Espírito desencarnado, por uma alma do outro mundo, que tem inveja, ou que se sintonizou com os hábitos dessa pessoa, e tira partido disso. Aí, pode-se buscar no Espiritismo uma forma de se afastar dessa entidade. O Espiritismo vai lhe mostrar que esse Espírito está a utilizar a sua própria fragilidade, o que, no entanto, não se destina a afastar o Espírito, mas a afastar-nos dele, através de mudança de hábitos.

A sociedade de hoje é extremamente competitiva e é comum ouvir-se dizer que pessoas muito dotadas são espíritos fracos, não conseguem vencer. Este conceito de espírito como é que é entendível?

Dentro da visão Espírita, um Espírito pode ser fraco por diversa razões: por ter pouca experiência de vida, por ainda não se ter desenvolvido, logo tem uma visão muito curta; ou também por apesar de ter muita experiência, esta ser sempre voltada para o negativo, para a derrota dos outros. Fora dessas áreas, um Espírito fraco é aquele indivíduo que não se libertou das suas paixões, dos seus erros, mas está na luta.

Precisa morrer?

Para nos aperfeiçoarmos, precisamos ganhar experiência ao longo do tempo. E isto no caso daqueles que querem aprender, porque há o caso daqueles que não o querem. Então, como Jesus determina - que nós sejamos perfeitos -, nós não podemos chegar a esse nível numa só existência. Jesus Cristo diz que ninguém virá ao Reino dos Céus se não nascer de novo, mas ao mesmo tempo diz que o Reino dos Céus está dentro de nós.

Onde começam o Espírito e o psíquico e vice-versa?

Não existe essa fronteira. O psíquico é a própria atuação espiritual.

Espiritismo versus seitas

Tendo esses poderes e o prestígio que possui na sociedade brasileira e mundial, já houve casos de pessoas conhecidas no meio político, das artes, ou outros, que recorreram a si, nomeadamente brasileiros?

No meu caso particular não, porque a minha área não é a dos fenômenos públicos, é mais um trabalho despretensioso. Nós atuamos na nossa Casa Espírita. Temos uma obra de assistência a crianças, social e moralmente carentes - atualmente são 120 -, e o nosso trabalho localiza-se aí e nas conferências. Temos tido encontros com várias personalidades, de diversos campos do saber, das artes, mas sem maior expressão.

No Brasil não se confunde Espiritismo com o sentido de seita?

Ainda existem áreas de muita confusão, como aliás em toda a parte, porque enquanto houver ignorância no mundo, vai haver confusão em todos os sentidos. De repente, verificamos no Brasil, com muita felicidade, que essa área de misturas está a diminuir. O Movimento Espírita no Brasil está muito divulgado, em programas de televisão, em rádios, em jornais, que são incontáveis, e há vários pregadores. Não temos nenhum problema com as outras crenças, como as seitas, mas queremos deixar claro o que é do Espiritismo. O fato de não combatermos os outros, não quer dizer que silenciamos o que quer que seja quanto ao Espiritismo.

Qual é a reação da Igreja Católica?

No Brasil a reação já foi negativamente forte, mas hoje em dia não tem mais como o ser. Quando as coisas são fechadas e o povo ignora, este crê num poder religioso contra, mas à medida que a coisa vai ficando clara, não há como a subverter. O máximo que um indivíduo pode fazer é chamar Espiritismo às práticas afro-brasileiras, tentando engendrar a confusão.

Candomblé, magia negra...

Tudo isso são coisas da prática africana, mas não tem nada a ver com Espiritismo. Candomblé é da África, magia negra e vodu são de países da América Central, e o Espiritismo nasceu na França no século passado. Não tem nada a ver com África ou América Central. Enquanto esses cultos africanos se calcam nessa relação imediata com os Espíritos, nesse peditório - me dá lá e toma cá -, a Doutrina Espírita, que nasceu na França e que Allan Kardec apresentou ao Mundo, baseia-se precisamente no contrário, na reforma moral do Homem, na prática do Evangelho de Jesus.

Ignorância

Mas há pessoas que recorrem ao Espiritismo para combater essas práticas afro-americanas?

Esses indivíduos não entenderam o Espiritismo e é natural que ainda existam. Os espíritas não se preocupam com isso. A única coisa que visamos combater são os nossos próprios erros.

Há quem diga que as seitas estão a destruir o ambiente social brasileiro. O que pode ser feito para que o sentido de seita se vá expandindo pelo mundo fora?

O que verifico pessoalmente, como pessoa ligada à Educação, é que o grande problema não são as seitas, é a ignorância. Só adere às seitas o indivíduo ignorante. Assim, não adianta combater igrejas e seitas, deixando persistir a ignorância. No dia em que eu for lúcido, que souber pensar por mim mesmo, não escolho mais as seitas.

No nosso País elas estão a ter um grande incremento, como é o caso da Igreja Universal do Reino de Deus, que tem suscitado muita polêmica. O combate deve ser feito através de mais cultura, maior poder intelectual, maior formação? São as seitas típicas de países subdesenvolvidos?

As seitas são típicas de pessoas subdesenvolvidas. Lamentavelmente, nos vários países em desenvolvimento, tanto nas Américas, quanto na Europa, encontramos uma preocupação por parte dos políticos em manter o status quo da ignorância, para que as suas pretensões político-doutrinárias possam vigorar durante muito tempo, e a escola é um terrível inimigo desses propósitos. Então, manter o obscurantismo ajuda essas elites políticas, e, aí, junta-se a fome com a vontade de comer, como diz o povo. As seitas fazem um trabalho muito bom para esses políticos de má qualidade.

Então aqueles que mais dominam o conhecimento são os vencedores?

Eles possuem todo um aparelhamento para vencer, muitas vezes são Espíritos muito intelectualizados, mas ainda infantis e não conseguem vencer. Se formos a esses ambientes de seita encontramos muita gente diplomada. Isto impõe aos governos, às escolas e às famílias um ataque mais frontal, para que se una o saber à sabedoria e não apenas ao conhecimento. A ignorância não é o estado de não se conhecer coisas, é o estado de não se entender as coisas, de não se amadurecer para certas coisas.

A violência no Brasil

Esta recente manifestação que juntou tanta gente no Rio de Janeiro não poderá encaminhar as pessoas para uma pacificação do País?

Nós acreditamos que sim. O brasileiro é um povo forte, não tem tido uma boa representação política e administrativa. Agora estamos a viver uma fase de crise, mas as coisas estão a mudar para melhor.

Tem medo de viver no Rio de Janeiro, face ao Índice de criminalidade que se registra na cidade?

Não, vivo lá há muitos anos e não tenho medo de nada. Em São Paulo cometem-se muito mais crimes e ninguém se interessa. Existe é uma campanha montada para transferir o turismo do Rio. Quando lemos os jornais dos Estados Unidos, o Rio de Janeiro é um anjinho. É uma guerra de interesses econômicos.

E no Brasil as televisões fazem o favor de publicar essa criminalidade?

Isso já foi alvo de uma entrevista nossa na televisão. Quando o jornalista me perguntou a que é que eu atribuía o incremento da violência, respondi-lhe: Aos noticiários. Se dão valor à violência, é porque ela é valorosa. Ouve-se diariamente notícias de muitas pessoas mortas, mas nunca se noticia o número de vidas que no mesmo período os médicos salvaram. Tem que se equilibrar, se só se destaca o negativo, a vida fica negativa.

No princípio... foram as visões

Tudo começou quando ainda criança via pessoas a atravessarem paredes e portas e a descerem dos telhados, sem perceber o que se passava. Depois de tentarem convencer de que eram demônios, fui aprender lidar com a sua realidade e... já lá vão 30 anos.

Como é que um orador espírita, com conhecimentos tão profundos de Espiritismo, acaba por se formar em Física?

Tornei-me espírita aos 16 anos de idade. Freqüentava o curso científico, que é o preparatório para os vestibulares acadêmicos, quando ao estudar o Espiritismo passei a dar-me conta da enorme gama da sua fenomenologia. Não era uma crença de pessoas comuns, de cabeças banais, era uma doutrina que exigia reflexão, pedia uma certa elaboração de idéias para sair do ram-ram comum e isto mostrou-me que precisava ter o apoio, o respaldo, de um pensamento científico. Avaliando os temas que tinha inclinação para estudar, descobri que a Física era a ciência das ciências, que abarcava todas as outras, e que em todas as épocas da humanidade era a filosofia da Física que norteava a filosofia das outras ciências. Por isso, embrenhei-me na Física e foi a Doutrina Espírita que me incentivou a estudá-la.

Como é que foi a primeira vez que sentiu inclinação para ser espírita?

Na altura não tinha uma inclinação para o Espiritismo, mas mais para o espiritualismo, para as coisas de Deus. Era coroinha da Igreja Católica, mas também vivia a minha vida privada, onde, desde criança registrava presenças espirituais. Via pessoas atravessarem paredes, a descerem dos telhados, no momento em que minha mãe orava, e ficava muito intrigado, porque era muito criancinha...

Com que idade?

Dois anos e meio, três... tenho memória desde essa altura.

Os demônios e os amigos da luz

Normalmente, dizem do Espiritismo que essas visões são uma continuação, é um Espírito que voltou e se lembra ainda do seu passado e mais tarde se esquece. Essas duas situações passaram-se consigo?

As duas coisas aconteciam, mas eram muito mais as de visualizar pessoas que não eram do meu passado, mas que tinham sido do meu presente, vizinhos que entretanto haviam falecido. Eu sabia que tinham falecido e, de repente, via-os passar pelas portas fechadas, pelas paredes, a descer dos telhados... e perguntava à minha mãe quem eram, quando não conhecia ou por quê. A minha mãe respondia-me de uma forma muito simples para ela, mas que eu não conseguia compreender: São nossos amigos da luz. Um dia eles também virão falar com você. Os anos passaram, a minha mãe, entretanto faleceu, quando eu tinha quatro anos, e na minha adolescência comecei novamente a ver as pessoas a descerem dos telhados... Essas pessoas abordavam-me na rua, o que me deixava muito confuso, pois tinha dificuldade em distinguir quem era gente de fato.

Muitas vezes fui surpreendido a falar sozinho, porque para as outras pessoas eu estava a falar sozinho. Aquilo deixou-me numa situação muito conflituosa. Perguntava ao meu sacerdote o que seria aquilo e ele respondia-me que eram trampas do demônio, trapaças demoníacas.

O Centro, Moisés e a mediunidade

E tentou fazer alguma magia para tentar afastar o demônio?

O sacerdote ensinou-me a escrever o Credo em papel e a queimá-lo todas as vezes que visse essas pessoas, só que quanto mais queimava as orações, mais os via. Aí, passei a ficar com mais medo da oração, do que propriamente dos demônios. Até que conheci o Espiritismo aos 16 anos. Um amigo de estudos convidou-me a conhecer a sua instituição, onde um grupo de jovens se reunia para estudar a Doutrina Espírita. Tinha muito medo, porque as minhas referências sobre o Espiritismo eram muito negativas, mas fui conhecer para desencantar a coisa. O que aconteceu foi que, no primeiro dia que visitei a instituição espírita, deparei-me com um grupo de jovens da minha idade, sentados normalmente numa sala de aula a estudarem e a debaterem questões da vida, e foi ali a minha primeira fala.

Dada a minha timidez, a professora abordou-me sobre o meu conhecimento do tema que era tratado naquela tarde, Moisés. A figura de Moisés agradava-me muito e, então, fiz uma abordagem sobre ela durante 20 minutos. A aula acabou ali... Ao sair da reunião, já era um espírita. Nunca mais voltei à Igreja, às atividades que tinha, embora mantenha um respeito e um carinho muito grandes por ela e pelos meus irmãos que tanto me ensinaram. O sacerdote que era meu orientador continuou a ser meu amigo. A minha relação com a Igreja continuou muito fraterna, mas encontrei uma resposta que me satisfez e que atende à sede de explicações que tinha sobre a vida e, especialmente, sobre a minha.

E como é que desenvolveu esse sentido espírita?

Fui para o Centro Espírita e lá fui orientado. Com aquela faculdade mediúnica que possuía, fui sabendo que aquelas coisas que via não eram demônios, mas aberturas psíquicas para aquele tipo de relacionamento. No Centro Espírita fui devidamente orientado, com reuniões de educação dessa captação da mediunidade – o dom do Espírito Santo, que lemos no Evangelho, não passa da mesma coisa. Fui-me educando, para aprender a discernir quem era que se mantinha em contato comigo, para me libertar das influências malignas dos Espíritos perturbadores... Então, essa coisa toda foi-se dando, e já lá vão 30 anos.

Um Espírito interessado

Professor e orador espírita, Raul Teixeira tem uma visão das coisas algo singular, bem patente quando questionado se é um homem de Direita, de Esquerda ou de Centro: Acho que sou um homem de círculo. Há momentos em que se precisa passar por essas diversas posições, por isso circulo. Há momentos em que os raciocínios da Esquerda têm lógica, mas há outros em que são astutos; há momentos em que os raciocínios da Direita têm lógica e noutros são astutos.

Essa é a doutrina da ação. Se me localizo num lugar só, começo a desvalorizar o outro. Penso que temos que pensar esfericamente. Quando nos situamos na Esquerda ou na Direita, perdemos a chance de nos integrarmos. Por isso não sou esquerdista .nem direitista por doutrina, mas por lógica se vejo que alguém está a pensar bem, não me importa de que lado está, quero o bem da comunidade, acrescenta.

O filósofo que mais o influenciou foi Aristóteles, cujo pensamento acha notável, atribuindo a Kant o destaque no pensamento prático.

Do que mais gosta em Portugal é dos ares. Isto aqui lembra-me o Brasil. Portugal é o nosso avozinho como dizia David Nasser, e tenho muito carinho pelos ares de Portugal. Quando aqui chego sinto-me bem. Ao lado disso, os amigos que aqui fiz. E para comer não abro mão do bacalhau, afirma.

Musicalmente? Sou apaixonado pelo fado. De quem gosto mais é da Amália Rodrigues.Pelas muitas vezes que ela foi ao Brasil, desde criança, aprendi a ouvir fado com a dona Amália Rodrigues, cantando na televisão brasileira. Ela é a minha referência de fado.

Futebolista português não conhece nenhum... Mas conheço uma jovem portuguesa que ganhou uma corrida de São Silvestre no Brasil... esqueci-me do nome, mas com uma ajuda do repórter: Sim, sim, Rosa Mota. Dos políticos portugueses conheço muito pouco.

Mário Soares pelas constantes visitas que fez ao Brasil e pela relação de amizade que tem com muitos brasileiros. Tenho um respeito muito grande pelo presidente Mário Soares, mas não tenho muita intimidade com a vida política de Portugal.

O mesmo já não se pode dizer da política brasileira, naturalmente, e também da mundial.

Henrique Cardoso - Um homem notável, dentro da sua predisposição, do seu senso político, está a fazer o que precisa ser feito no Brasil, e os equívocos, os erros, são humanos, que qualquer outro cometeria.

Lula da Silva - É um político bastante interessante, com as suas idéias muito próprias, mas ainda não teve oportunidade de mostrar que é capaz de fazer o que diz. Então, deixamo-lo de quarentena, apenas admirando a alocução, a boa verve, um crescimento pessoal bastante elogiável.

Collor de Melo (é um cafajeste recuperado?) - Recuperado não... porque ainda não quitou com a sociedade o que lhe fez. Mas ao lado do ex-presidente temos uma cúpula muito grande de indivíduos que o pôs para fora, mas ao longo do tempo demonstrou que foi mais prejudicial do que ele.

Democracia brasileira - As coisas estão a avançar. O povo passa a ter uma visão melhor das coisas. Há escolha melhor, gradativamente. Depois de passarmos 21 anos de dominação e de regime de exceção, é natural que as pessoas não estejam habituadas sequer a pensar, e muito menos a pensar corretamente.

Bill Clinton - É um presidente dos Estados Unidos, com todas as características de um membro do Partido Democrata. Qualquer outro do partido dele não faria diferente, porque é uma doutrina. Tivemos o Jimmy Carter, que foi o último presidente do Partido Democrata, e a atuação não é muito diferente. Há coisas que ele faz que são muito interessantes, mas há outras que são notoriamente desastrosas. Enquanto pessoa, acredito nos seus esforços de pacificação do mundo, mas enquanto governo tenho dúvidas, e porque não é ele que tem de fato a grande autoridade.

Boris Yeltsin – Tenho muito dó, porque não precisava estar a segurar esta batata quente, se não tivesse sido ambicioso. O trabalho de quem o colocou no poder estava ai muito bem, e ele fez tudo para o destroçar.

Mikhail Gorbatchov - É o homem da atualidade, o político deste século que mais admiro.

No que respeita à literatura é um apaixonado na área da poesia, por Cecília Meireles e pelo notável Carlos Drummond de Andrade, ambos já falecidos; no romance, Machado de Assis, que sempre o encantou.

Jorge Amado - É um excelente escritor. Na linha dele, apresentando a sua Bahia e os seus fenômenos sociais, é um excelente escritor.

Dos portugueses, gosto muito de Eça de Queirós. Dos contemporâneos, de José Saramago só tive oportunidade de ler um livro, O Evangelho Segundo Jesus, que achei muito interessante, é um tipo de leitura que morde, provocadora, e de raciocínios novos. Achei muito interessante, afirma.

Falando com o Espírita

Existência de Deus; existência e imortalidade da alma; pluralidade das existências; pluralidade dos mundos habitados (o Espiritismo não crê que seja a Terra o único planeta habitado); e a comunicabilidade dos Espíritos são os fundamentos da Doutrina Espírita, que Raul Teixeira avisa não terem sido inventados pelo Espiritismo, mas ensinados por Jesus.

À luz destes princípios:

ESPIRITISMO - Doutrina dos Espíritos
REENCARNAÇAO - É a lei da evolução
DEUS - A inteligência suprema do Universo
DEMÔNIOS - Não existem
OTIMISMO - A nossa grande esperança
DEPRESSAO - A doença do século
VIDA - Uma bênção de Deus, impagável
MORTE - A libertação
DROGA - É uma droga!
ABORTO - Um crime hediondo
GUERRA - É o seu similar
CRIMINALIDADE - O resultado do abandono da sociedade
SIDA - Uma tragédia para o Homem
MATERIALISMO - Fora de moda
CAPITALISMO - Uma interrogação
LIBERALISMO - Outra interrogação
COMUNISMO - Uma opção discutível
SOCIAL-DEMOCRACIA - Um caminho bastante plausível
DESPORTO - Trabalho da caridade

Extraído parcialmente do Jornal O Norte Desportivo, de Portugal. Transcrição literal, tal como publicada a entrevista em Portugal.
Fonte: Jornal Mundo Espírita, janeiro e fevereiro 1996.
Em 22.03.2008.