ME – O que significa para você o carnaval, diante do mundo?
RT – Valendo-me da expressão de um benfeitor Espiritual, direi que, para mim, o Carnaval é aquele fruto apodrecido, do qual ainda não soubemos retirar a mensagem de advertência, de atenção e vigilância, observando, ao longo do tempo, a semente infeliz que há germinando nas almas incautas, gerando colheitas de decepções e dores de elevada monta.
ME – Como você melhor colocaria o Carnaval: como um mal para o homem que preza a elevação da moral, ou do remédio para o homem asfixiado pelas lutas amargas do cotidiano, necessitado de extravasar seu psiquismo?
RT – Verdadeiramente o Carnaval, como se vem apresentando, representa um mal não apenas para o homem que busca evoluir moral e espiritualmente, como também para os demais ainda apegados às sensações físicas muito mais que às emoções sutis, que só a pouco e pouco o Espírito vai desenvolvendo.
Reconhecemos que a alegria, a descontração, as expansões dos júbilos entre as criaturas humanas funcionam como excelente válvula de escape para as tensões diárias, fomentando a tranqüilização da alma, quanto o reequilibramento das funções psíquicas. Contudo, não é o que estamos observando na estrutura carnavalesca. Encontramos, isto sim, a perversão, a enfermidade espiritual que jorra, absolutizando a loucura que campeia infreada, devassando e infelicitando. Não creio que ao homem mais simples, porém de bom senso, isso lhe pareça extravasamento para os júbilos anelados, senão desbordamento das paixões inferiores que mais fazem amargar seu cotidiano já de si mesmo tão amaro.
ME – Por ser uma festa de cunho material, somos induzidos a pensar que a maioria dos participantes não seja religioso. Dado que o ser humano precisa dissipar as energias acumuladas, não poderíamos, então, classificar o Carnaval como “um mal necessário”, pois, sem ele, que permite extravasar, e sem a religião, que permite equilibrar essas cargas energéticas, os homens, inevitavelmente seriam levados a atitudes agressivas ou neuróticas no dia-a-dia?
RT – A mim me parece que tudo isso não passa de tenebroso sofisma. Vamos por partes, a fim de expressar-me melhor.
O Carnaval não é somente uma festa de cunho material, como se poderia supor. Ele é profundamente espiritual, só que a faixa espiritual em que se situa é a dos Espíritos infelizes que se locupletam com os desejos e usanças daqueles outros que, embora encarnados, ajustam-se aos apelos do Além-infeliz, servindo-lhes de alimárias ou de vasos nutrientes, onde as sombras babejam e triunfam por momentos. Está claro, com isso, que os que se banqueteiam nesse festim, embora se digam religiosos, só o são na fachada. Não aprenderam que não se pode servir a Deus e a Mamon, que ser religioso é assumir um compromisso com a própria consciência. Não foram advertidos pelos seus líderes que tais festividades momescas tiveram seu incremento nas orgias templárias da Velha Roma, do mundo antigo, nas loucuras das homenagens aos deuses Lupércio, Saturno, Baco, etc, ditas festas em que não faltavam luxúria, os excessos de toda ordem, desde o prato às explorações sexuais, determinando a miséria moral e material, como enorme soma de sofrimentos.
Por outro lado, meu companheiro, se me é dito que o Carnaval é o extravasador e que a Religião é equilibrante, creio que, em boa linha, nos quedaríamos com a Religião. Entretanto, a grande parte escolhe a descarga carnavalesca.
O que vemos é que, muito embora se afirme ser o Carnaval um extravasador das tensões, não encontramos diminuídas as taxas de agressividade e de neuroses que infestam nossas cidades, as mais diversas, dando-nos, isso sim, um somatório de violência urbana, de infelicidade familiar como jamais ocorreu no mundo contemporâneo. Creio que devamos repensar a questão do Carnaval, a fim de não desculparmos o que é indesculpável, pelo menos na conotação que se lhe dá atualmente.
ME – No campo físico já conhecemos algumas das conseqüências do “reinado de Momo”, como por exemplo, a proliferação de abortos, o aumento de criminalidade, múltiplos suicídios, o incremento do uso de tóxicos e de alcoólicos, assim como o surgimento de novos viciados, e muitas outras. O que você citaria como conseqüência no campo espiritual?
RT – No hemisfério espiritual encontramos por conseqüências todas decorrentes dos excessos, erros e crimes apontados na sua pergunta. É mais um testemunho de que as “alegrias de Momo” não são tão alegres como parecem e que, ao invés de descontrair, muitos são traídos pela invigilância, pela irreflexão, pela imoderação.
ME – Estaria sujeito às influenciações negativas o indivíduo que, não se integrando aos folguedos, saísse à rua apenas para assistir aos desfiles, ou mesmo para, simplesmente apreciar os acontecimentos?
RT – Os espíritos do Senhor orientam-nos através da Doutrina Espírita que Deus vê as intenções nossas. Jesus Cristo, por seu turno, diz-nos, em Lucas 6:45, que onde estivesse o nosso tesouro, aí estaria o nosso coração, dizendo, sem dúvida, que nos deslocaríamos em espírito para aquilo a que déssemos valor. Há um provérbio popular que prega que quem sai na chuva é porque deseja molhar-se... Entendemos que, se tomamos conhecimento do que está ocorrendo nas ruas e nos clubes, se nos damos conta das nossas próprias tendências pouco recomendáveis, na condição de “homem velho” da referência paulina, há que pensar um pouco, antes de nos expormos às ruas, ainda que seja para assistir.
ME – Como você acha que o cristão-espírita deve proceder diante do companheiro que se mostra favorável ao evento?
RT – Como deve proceder com qualquer um que não nos compartilhe os conceitos e idéias, ou seja, respeitando-o, compreendendo-o, sem, contudo permitir que ele nos “faça a cabeça”, usando uma expressão muito em moda.
ME – Que atitude se poderá tomar para mantermos nossos filhos, ainda crianças, quando não livres da influência, pelo menos livres da fascinação que o Carnaval exerce sobre eles?
RT – Entendamos que a família tem fundamental importância em tudo isso. É a velha questão educacional que vem à tona. Se os pais não freqüentam os festejos carnavalescos, se os pais aproveitam os dias feriados de tais festas para o descanso, para a convivência familiar harmoniosa e boa; se sabem conversar com os pequenos sobre a improcedência de nos arrojarmos a tais loucuras, exemplificando com a própria conduta o que diz, não vemos por que os filhos ficariam fascinados com Momo. Se, mesmo diante do exemplo e dos informes e esclarecimentos eles o desejarem, deverá prevalecer o bom senso dos pais, não o permitindo, até que os pequenos de hoje conduzam as suas experiências de vida, fazendo o que bem entendem, porém, não antes de serem devidamente educados para viverem o bem que todos buscamos.
Muitos pais afirmam que soltaram seus filhos por causa das pressões de vizinhos, de familiares outros, dos colegas, etc. Não se lembram, entretanto, os pais espíritas, que estamos diante dos graves compromissos com Espíritos ligados a nós, pelos vínculos reencarnatórios, e que teremos que prestar contas da orientação e da condução que lhes tenhamos dado, sem que isto pese nos ombros dos demais, pelo menos a princípio. Tomemos por compromisso de honra o conduzimento dos nossos, deixando de lado admoestações e zombarias, motejos e incompreensões, porque somente o tempo dirá do nosso acerto, com o salário da paz e da alegria.
ME – Com relação aos nossos Centros Espíritas, é válido fechar as portas nos dias de Carnaval, ou mudar o procedimento das reuniões?
RT – Realmente seria muito bom se pudéssemos continuar nossas atividades doutrinárias em nossas instituições, exatamente porque são os dias em que mais necessárias se fazem as preces e as vinculações com os Bons Espíritos, por múltiplas razões, bem óbvias, por sinal. Entretanto, não deveremos olvidar que grande parte dos Centros estão em locais de muito movimento carnavalesco e que, ainda que não estejam, os companheiros das tarefas deverão deslocar-se de seus lares, atravessando o tumulto e as dificuldades se ampliam com o risco de variada monta para os passantes. Eis a razão porque, costumeiramente, se interrompem os trabalhos nos Centros Espíritas nesses dias, o que não representa que devamos deixar de orar e vigiarmos, onde e com quem estivermos, servindo como antenas de nobres inspirações e assistência necessárias, como verdadeiros cristãos que desejamos ser.
Fonte: Jornal Mundo Espírita - Fevereiro/1988