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"O Inferno são os outros"


Com o sugestivo título que nomina esta notícia, o conhecido orador espírita Raul Teixeira coordenou Seminário, a convite da Federação Espírita do Paraná (FEP), em Curitiba, no dia 14 de dezembro, no período das 15h. às 19h.

Expressivo público, estimado em cerca de mil pessoas, se fez presente no Ginásio do Colégio OPET e acompanhou atento o excelente raciocínio de Raul, que introduziu sua abordagem narrando, de forma sintética, a peça de Jean-Paul Sartre, Entre quatro paredes. A partir das três infelizes personalidades da curiosa peça, Garcin, Inés e Stelle, Raul enfocou as Relações projetivas, aí desdobrando em:

Projeções frustradas – Como se quer que o outro seja: quantas vezes, indagou, nos tornamos infelizes, frustrando-nos porque um amigo, alguém que prezamos muito toma atitudes para conosco que jamais esperávamos? No entanto, a projeção é nossa. Nunca, em verdade, aquela criatura nos afirmou que era perfeita, que nos amava e nos prezava acima de tudo e de todos. Ao agir assim conosco, simplesmente o fez de acordo com o que ela é e não com a faceta de devotamento e afeição que nós projetamos para ela. O problema é nosso – não dela, que, em verdade, em nada contribuiu para a nossa decepção ou frustração.

Projeções na família – É incontável, disse Raul, o número de pais, filhos e esposos infelizes porque, na condição de filhos, desejariam que seus pais fossem como os pais dos seus amigos. Eles, sim, são ótimos. Tudo permitem aos filhos, não lhes bloqueando as vontades. Ou como os pais mostrados nos filmes, que dão tudo aos filhos, sem limites. Isto, sim, é felicidade.

Pais, por sua vez, almejariam que seus filhos fossem como os dos seus amigos: estudiosos, dóceis, obedientes. Como seria maravilhoso dizer somente uma vez para a criança o que ela deve fazer, e ela obedecesse. Tarefas simples deixariam de ser tão desgastantes no cotidiano.

Esposos sonham em ter esposas doces, prendadas, dispostas a lhes saciarem todas as vontades e satisfazerem todos os desejos. Verdadeiras princesas, saídas dos contos de fadas.

As esposas, por sua vez, casam-se sonhando que o fizeram com príncipes encantados, criados pela sua fantasia, e descobrem que se casaram com homens comuns, que apresentam defeitos, que não sabem ser gentis e não atentam para detalhes que elas consideram importantes.

Todos, nesses casos, colocam a sua felicidade nas projeções individuais e, como são somente projeções, se tornam infelizes em suas vidas, amargando infelicidade todos os dias. Por isso, o inferno são os outros.

Na abordagem da Segunda Unidade – O individual e o individualista, Raul, com muita propriedade, analisou:

a) pais que sonharam o futuro dos filhos – os que idealizam para os seus rebentos a vida que não puderam ter. Então, os filhos devem seguir a profissão que os pais determinam, casar com quem lhes é indicado, estudar e dedicar-se àquilo que seus genitores desejam;

b) os que deixaram de sonhar o próprio futuro – pais que vivem em função exclusiva dos filhos, deixando de, após o nascimento deles, gozar de momentos de lazer, cultivar a própria inteligência, viajar, ter seu próprio espaço.

Então, recordou da necessidade e o direito de se ter o próprio sonho. Pais e filhos são pessoas diferentes. Assim, os pais têm sua vida, seus anseios e sonhos, e devem permitir o mesmo aos filhos. Nenhum filho deve viver o sonho não realizado de seu pai, por exemplo, estudar piano porque o pai sempre adorou piano e nunca teve chance de estudar. Esse é o sonho do pai, não do filho, que deve ter liberdade de escolha e opção.

Recordou, por fim, que os pais, na condição de orientadores dos espíritos dos filhos devem ter em mente que estes não são sua propriedade, mas espíritos confiados por Deus à sua guarda e sobre os quais devem exercer acompanhamento e orientação, pois que contas lhes serão pedidas pelo Pai.

Finalmente, encerrando sua fala, após ter respondido a vários questionamentos que lhe foram feitos pelos participantes, Raul lembrou da convivência diária desgastante, em que se faz necessário investir na criatividade e no amor.

Por que se reprisar sempre? – questionou Raul, discorrendo sobre as tantas atitudes em que repetimos, todos os dias, todos os anos, as mesmas coisas, da mesma forma. E o amor é o tempero ideal em todo relacionamento interpessoal para que deixemos da posição de colocar a responsabilidade da nossa felicidade ou infelicidade sobre os ombros alheios, na postura de quem vive a idéia de que o inferno são os outros.

O encerramento, emocionante, foi um poema de luz que a todos envolveu em clima de paz e contentamento.

Incansável, Raul ainda ficou à disposição para os autógrafos, as saudações, atendendo a longa fila, com contagiante sorriso, como autêntico servidor de Jesus.

No domingo pela manhã, Raul proferiu palestra no Teatro da FEP, às 10 horas, abordando o tema: O NASCIMENTO DE JESUS E NÓS.

Iniciou sua fala com uma breve incursão pela velha Grécia, nos tempos em que o Apóstolo Paulo de Tarso marcava as estradas poeirentas com seus rastros de abnegação e coragem, levando a Boa Nova a toda gente.

Em Listra ele deveria desenvolver uma série de tarefas de pregação, avançando depois para Derbe e para outras várias regiões da Grécia.

Paulo sonhava com a oportunidade de conhecer a Licaônia. Sabia, desde há muito tempo, que o povo dali era marcado pela crença mitológica. Os licaônios acreditavam piamente na ação dos deuses olímpicos na vida dos indivíduos.

Então deveria ser uma experiência importante para Paulo. Poder falar de Cristo para gente que acreditava na Mitologia.

Ao penetrar em Listra, Barnabé e Paulo deram-se conta do movimento de gente que entrava e saía da cidade. E ali ao lado do pórtico algo lhes chamou a atenção.

Havia duas tílias, duas imensas árvores que alguns mitólogos registram como sendo uma tília e um carvalho. Mas a maioria deles fala em duas tílias. Na altura das galhadas a ramagem de uma se enroscava à ramagem da outra, parecendo uma única copa dotada de dois troncos.

Paulo e Barnabé perceberam aquele fenômeno da natureza.

Mais tarde, Paulo foi até o pórtico de Listra para conhece-lo melhor, já que no dia seguinte iniciaria ali sua pregação. O sol começava a se pôr e ele se deu conta de que próximo às tílias havia uma mulher que, pelos trajes, pelos procedimentos deveria ser da região, que recolhia água num poço velho perto do Pórtico.

Paulo se acercou da mulher, desejoso de conversar com alguém do povo e perguntou-lhe à queima-roupa se ela saberia explicar a razão de haver aquelas duas tílias, enrodilhadas daquela forma, e na quadra do ano em que se achavam, as árvores estavam plenamente floridas. Era um espetáculo notável da natureza. E a mulher, sentindo-se homenageada pela curiosidade do estrangeiro, deteve-se e começou a contar-lhe:

"Dizem, senhor, que nos idos tempos da Licaônia, depois que os deuses construíram-na, resolveram vir visitá-la para saber se as coisas aqui estavam correndo bem. Dois desses deuses: o pai dos deuses, Júpiter e o seu auxiliar direto, Mercúrio se travestiram, se transformaram em pessoas humanas comuns. Mercúrio retirou as pequenas asas dos tornozelos e aposentou, durante algum tempo, o caduceu que leva à mão e vieram os dois a Licaônia.

Vistoriaram toda a região e, ao anoitecer, ao entardecer daquele dia os dois deuses disfarçados começaram a bater nas portas das casas. E, batendo nas portas das casas dos habitantes de Listra, ninguém lhes oferecia pousada. Corriam daqui para ali. Eram duas criaturas estranhas e por causa disso iam sempre recuando mais da cidade. Ninguém lhes deu guarida. E os dois homens foram se afastando. Nos confins da Licaônia chegaram a um casebre em ruínas. Uma casa muito velha, muito tosca. Bateram à porta. E lhes veio atender uma mulher idosa, muito idosa. Era Balsis, uma pastora da região, esposa de um lavrador que ainda se encontrava no campo.

Ao ouvir os dois homens lhe pedirem guarida, Balsis foi tocada em seu sentimento e, nada obstante a casa muito pobre, abriu-lhes as portas, fê-los entrar, serviu-lhes o melhor que pode: um vaso com água e começaram a dialogar.

Logo depois, chega dos campos seu esposo Filemon. E Filemon se soma à alegria da esposa em poder hospedar aquelas duas criaturas que estavam pelas estradas durante todo o dia.

Não sabiam o que oferecer aos dois convivas. Balsis sugeriu a Filemon que fosse à horta dos seus quintais e recolhesse um punhado de determinadas folhas para que ela pudesse preparar um caldo e oferecer à mesa para aquelas duas criaturas. Além disso, Filemon foi até o topo do fogão à lenha e recortou um naco de toucinho que ali estava a defumar, para que Balsis incrementasse o caldo.

E a mulher não sabia o que fazer para atender bem as duas criaturas em sua casa. Puxou, de junto à parede, a única mesa que tinha o casebre. Uma mesa tosca, velha, de tampo esburacado. Um dos pés estava corroído pelo tempo. E Balsis suporta-o com uma pedra apanhada no quintal, para que a mesa claudicasse menos. Sobre o mau estado do tampo ela coloca a única toalha que tinha guardada para ocasiões muito especiais. Forra o tampo da mesa enquanto Filemon retira dos armários algumas iguarias, frutos secos que Balsis mesma preparava para ter em casa para as ocasiões especiais. Arrumam a mesa. E Filemon retira de um velho barril o vinho capitoso que ele produzia para uso pessoal. Enche uma bilha de vinho, coloca-a sobre a mesa e chama os dois convivas, que se assentam junto aos donos da casa para o rico banquete da família pobre.

Começam a tomar o caldo, a se alimentar com os frutos secos, a se servir do vinho capitoso e percebem, os dois velhos, que quando Júpiter e Mercúrio se serviam do vinho, quanto mais vinho retiravam da bilha, mais vinho aparecia nela.

Se entreolharam e se deram conta de que essa era uma prerrogativa dos deuses. Aquilo em que eles tocassem, se multiplicava. Perceberam que estavam diante de duas criaturas divinas. Enunciaram seu pensamento e Júpiter os tranqüilizou.

Deu-se a reconhecer. Apresentou Mercúrio, que era considerado deus dos oradores, o deus dos comerciantes. E hoje, o deus das comunicações.

Apresentaram-se e pediram aos velhos que nada dissessem a ninguém a respeito de suas estadas ali.

No dia imediato, antes de se despedirem, Júpiter abraçou os dois velhos e lhes fez uma proposta: ‘Pela gentileza da hospedagem, pela boa vontade que nos apresentaram, eu gostaria de deixá-los à vontade para pedir o que quiserem. Eu lhes garanto realizar.’ Era o deus dos deuses, era o pai dos deuses que estava oferecendo o que eles quisessem.

Filemon olhou a esposa, e esta lhe retribuiu o olhar. Eram velhos, tinham vivido desde a juventude, quando se casaram, na pobreza. Aquela idade não lhes pedia mais nada. Filemon disse a Júpiter que de nada eles necessitavam. Não iam pedir coisa alguma.

Mas Balsis - sempre a mulher lembra de um detalhe - segurou o braço do marido, voltou-se para Júpiter e disse-lhe: Senhor, já que nós podemos pedir-lhe alguma coisa, eu gostaria de rogar que não permitisse que um de nós chorasse a morte do outro. E isto, porque gostaríamos de pedir-lhe que quando um de nós tombe nas mãos da morte, o outro possa acompanhar imediatamente, para que nenhum de nós tenha que chorar pelo outro.

E as lágrimas de Júpiter, dizia a mulher a Paulo, escorreram. O pai dos deuses emocionou-se e garantiu-lhe que o pedido, a sua solicitação seria atendida. E quando Filemon tombou, arrastado pelas mãos da morte, Balsis tombou sobre seu corpo. E Júpiter, para homenagear o amor de ambos, e dizer como o amor é importante, plantou-os no pórtico de Listra, à entrada da Licaônia. Fê-los convertidos em duas tílias que estão floridas em quase o ano inteiro. Para dizer que o amor é assim, é capaz de estar sempre florido, é capaz de doar-se perpetuamente."

A mulher acabava de contar a Paulo aquela epopéia. E Paulo achava curiosa a forma religiosa como as pessoas acreditavam nos mitos gregos. Atribuíam-lhes as razões da própria vida, enquanto ele se preparava para falar do Senhor da vida, do mais excelente homem que já havia passado pela Terra.

Após a narração dessa belíssima lenda, sob os olhares marejados dos expectadores emocionados, Raul prosseguiu falando do Natal de Jesus na intimidade de cada cristão.

Por longos minutos o orador evocou a trajetória do Cristo e o efeito que Seus ensinos provocam sobre as criaturas da Terra.

Em determinado momento, Raul faz a ponte entre Jesus e os deuses Mercúrio e Júpiter, o velho casal Balsis e Filemon e nós, dizendo:

"Ei-lo que volta dois milênios depois e começa a saga de bater na porta dos nossos corações, pedindo albergue, pedindo guarida. E porque ainda O desconhecemos, não registramos o Seu toque mavioso e vamos fechando-Lhe as portas...

E Ele se vai... procurando aquela alma, aquele coração simples, aquele pobre de espírito que possa abrir-se-Lhe... e encontra-nos a intimidade paupérrima, muitas vezes, como o casebre de Filemon e Balsis.

Em nossa intimidade temos tantos andrajos, tantas ruínas, tanta coisa velha... mas queremos oferecer o nosso melhor a Jesus de Nazaré.

É certo que temos que procurar na horta de nossas dedicações algumas ervas aromáticas para preparar ao Senhor o caldo quente da nossa dedicação... e oferecer-Lhe na mesa tosca de nossa perseverança, claudicante...

E essa claudicância, procuramos sustentar com a "pedra" da racionalidade... para que a gente não se desespere com a própria pobreza interior.

Sustentamos essa mesa com a pedra da nossa perseverança, de nosso raciocínio...

Eu sei que não sou perfeito, mas eu quero dar o meu melhor... e escoro a mesa para que ela não tombe tanto.

As frutas secas, que vamos guardando ao longo da vida, são as nossas boas ações, reservadas, para que as possamos repetir no momento agro do inverno moral... e queremos oferecer a Jesus esses pequenos bagos desidratados, mas doces, que guardamos em nós...

E a nossa bilha de vinho capitoso, o vinho de nossas lágrimas e de nossos sorrisos, que se mesclam na Terra de provas, queremos colocar na mesa para que Ele se possa servir da nossa alegria e da nossa tristeza... e quanto mais nós Lhe oferecemos, percebemos que as poucas coisas boas que Lhe damos Ele as amplia como o vinho capitoso que se multiplicava na bilha, aos olhos de Júpiter e de Mercúrio.

Somos tão pobres...

Tão pouca coisa temos para oferecer ao Senhor...

Mas estamos convictos de que aquilo que Lhe oferecemos Ele saberá usar, Ele saberá usufruir e nos devolver multiplicadamente.

E o nosso Mestre nos pergunta, a cada momento: "Que quereis que eu vos faça?"

Alguns pedem a cura do corpo, outros pedem dinheiro, para as suas realizações mundanas, outros mais pedem paz de espírito, pedem isto ou aquilo...

Mas nós, que O amamos tanto, e sabendo que Ele pode nos dar tantas coisas, porque tudo quanto pedirmos ao Pai em Seu nome Ele nos atenderá, pedimos-Lhe para que não conheçamos a morte, essa morte moral que nos aniquila, para que, quando estejamos ameaçados pela morte tenhamos condição de romper essa situação e apresentar-nos vivos diante do olhar da eternidade... junto a todos aqueles que na eternidade da vida se encontram.

Evocamos a nossa imortalidade e rogamos a Ele que a possamos utilizar a benefício próprio."

Em meio à profunda emotividade que pairava no ar, o orador encerrou sua palestra e o público o aplaudiu de pé, numa demonstração tácita de contentamento e satisfação.

Fonte: Jornal Mundo Espírita - Janeiro/2003