Durante sua passagem pela Zona da Mata Mineira, no mês de outubro de 2003, onde realizou uma conferência em Espera Feliz, outra em Viçosa e um seminário em Santo Antônio do Glória, o tribuno espírita Raul Teixeira concedeu oportuna e esclarecedora entrevista para o periódico Luz no Caminho.
Luz no Caminho. Raul, o que significa o Espiritismo para você?
Raul. Para a minha vida, a Doutrina Espírita é – verdadeiramente – um oxigênio.
É através da Doutrina, dos seus ensinamentos, da proposta de vida saudável, que me apresenta, que tenho conseguido conviver com a minha própria limitação, e realizar as tarefas que me cabem, com entusiasmo, com devotamento, na certeza de que - a cada dia - posso melhorar um pouco mais, felicitando-me a mim próprio e dando um pouco do que eu posso, do que eu sei, à realidade do quotidiano.
LC. O que é Identidade Espírita?
Raul. A Identidade Espírita é aquele estado em que nós chegamos de viver em consonância com a Doutrina Espírita.
Temos por Identidade Espírita essa possibilidade que se tem de se identificar como espírita, onde quer que estejamos, seja fazendo o que for. Nossa proposta, nossa maneira de nos comportar eminentemente espírita, desde o momento em que nós temos a coragem de nos apresentar como tais, até o momento de nós vivenciarmos aquilo que ela nos propõe.
LC. A que se deve o fato, (com raras e honrosas exceções), de existir uma enorme defasagem entre o que a Doutrina Espírita ensina e o que observamos na prática desses ensinamentos por parte de muitos espíritas?
Raul. Isso está perfeitamente ajustado às Leis do Progresso, porque vale recordar que, quando Allan Kardec indaga em O Livro dos Espíritos sobre se o progresso moral acompanha sempre o progresso intelectual, de acordo com a pergunta 780, os Espíritos respondem-lhe que nem sempre o progresso moral se dá ao mesmo tempo, conjuntamente, com o progresso intelectual. Primeiro se dá o progresso intelectual: a gente sabe, a gente desenvolve o cognitivo, e depois que esse cognitivo vai sendo amadurecido, dentro de nossa mente, em nossa intimidade, começamos a ter essa capacidade de distinguir o bem do mal, de admitir melhor e compreender um pouco mais as Leis Divinas, e aí fazermos escolhas morais. Por isto é que é muito comum, que nós primeiro aprendamos, tenhamos o cérebro referto de conhecimentos acerca da Doutrina Espírita, do Bem, da ética, dos valores, do amor, até o momento em que esse conhecimento possa descer do cérebro e alcançar a nossa intimidade emocional, a nossa maturidade do senso moral, e, a partir daí, passarmos a vivenciar, pouco a pouco, aquilo que nós já conhecemos desde há algum tempo...
Vale notar, que depois de dois milênios de conhecimento das propostas de Jesus Cristo, é agora que temos iniciado o nosso trabalho de adotá-lo em nossa vida, em nossas práticas, em nosso sentimento...
LC. Na Bíblia, mais precisamente no Velho Testamento, dirigindo-se aos homens de Judá e aos habitantes de Jerusalém, o profeta Jeremias (11:8) disse o seguinte: “(...) mas não ouviram nem inclinaram os seus ouvidos, antes andaram cada um conforme a proposta de seu coração malvado”.
Perguntamos: estas palavras textuais do profeta Jeremias, não parecem se encaixar perfeitamente na realidade hodierna do movimento espírita tão marcado por quistos enfermiços, onde, segundo Vinícius (Pedro de Camargo), “a malsinada indisciplina e a vaidade dos que sabem um pouco mais do que o vulgo se choca com a presunção dos que ainda sabem menos?”
Raul. Indubitavelmente, as falas do profeta Jeremias, um dos grandes profetas de Israel, assinalam uma Lei, e nós nos reportamos à questão 780 de O Livro dos Espíritos, ao dizer que o progresso moral nem sempre se dá concomitante com o progresso intelectual. Esta é uma Lei da Natureza e o profeta Jeremias, captando-a, falou com a sua maneira, com a sua expressão, de acordo com a cultura da época e o povo em que se achava, para estabelecer que primeiro as criaturas conhecem, mas têm dificuldade em colocar em prática, e essa malvadeza a que se refere o profeta, é a falta de maturidade a que se refere Allan Kardec nos dias de hoje. Não é uma malvadeza por ser a criatura essencialmente má; é uma malvadeza decorrente do estado de ignorância, em que o indivíduo não se dá conta das consequências desse desantenamento, desse desatino, relativamente às Leis Divinas. E a criatura não antenada, não ajustada, não vinculada às propostas da Divindade, certamente acaba se tornando uma criatura maldosa, uma criatura má, sem se dar conta de que isso possa estar acontecendo.
LC. Em seus périplos doutrinários, pelo Brasil e pelo mundo, em qual região você observou que o Espiritismo é realmente respeitado e levado a sério pelos espíritas?
Raul. É muito difícil estabelecer essa divisão, ou essa situação, porque em todos os lugares encontramos os indivíduos que estão bem ajustados às propostas espíritas, realizando um trabalho do Bem, excelente, devotando-se de alma, de corpo, de coração, a esse mister, enquanto encontramos nas mesmas regiões, nos mesmos lugares, indivíduos que estão remando contra a correnteza.
Dessa maneira, não existe uma região em que as pessoas sejam fiéis e outras em que as pessoas sejam infiéis aos princípios espíritas. Em todos os lugares há desses companheiros: uns trabalhando pró Doutrina Espírita, outros trabalhando contra a Doutrina Espírita e, lamentavelmente, alguns trabalhando contra a Doutrina Espírita, partilhando, nada obstante, no seu próprio movimento.
Este é o dado mais lamentável, porque nós nos lembramos do escritor francês Charles Péguy, quando estabelece em uma de suas obras que é muito triste ver alguém caminhar para o inferno pelos caminhos do inferno, mas que é lamentável ver alguém caminhar para o inferno, trilhando os caminhos do Céu...
A criatura que tem tudo para acertar, mas por causa do egoísmo, da sua vaidade, do seu orgulho, da sua presunção, acaba por chafurdar-se nos pântanos da vida moral, exatamente por não dar atenção aos ensinamentos de Luz que a Doutrina Espírita nos apresenta.
LC. Que conselho você daria a quem quisesse aprender a Doutrina Espírita, sem se deixar contaminar com o caos reinante tanto na sociedade atual, quanto até mesmo no âmbito do próprio movimento espírita?
Raul. A proposta é a de nós adotarmos a Doutrina tendo sempre cuidado com a proposta dos doutrinadores.
A Doutrina é inatacável, a Doutrina é sempre luminosa, é sempre lúcida, mas os doutrinadores, como seres humanos que somos, somos vulneráveis aos mareios do caráter, da nossa consciência, aos ventos fortes das inclinações morais.
Então, às vezes o indivíduo está para cima, outras vezes está para baixo, um dia está animado, outro dia está desalentado, um dia ele está na faixa do bem, dos Espíritos bons, fala coisas lindas, age divinamente, noutro dia está na faixa de Espíritos aturdentes, Espíritos perturbadores, e age em consonância com essa perturbação.
O ideal para quem deseja conhecer – realmente – a Doutrina Espírita, é acercar-se de suas Obras Fundamentais,as obras que nos foram deixadas por Allan Kardec...
Lê-las, estudá-las, posicionar sua vida a partir delas e colher dos doutrinadores, dos espiritistas, do movimento, somente aquilo que seja de boa índole, aquilo que seja de bom caráter, porque o mau exemplo não pode ser exemplo para ninguém.
E dessa forma, todos nós, estaremos assumindo a própria responsabilidade, ao invés de dizermos que não adotamos a Doutrina Espírita por causa dos espíritas, porque senão ninguém adotaria religião alguma, porque há maus religiosos em todos os cultos, em todos os credos, em todas as doutrinas, como há maus políticos em todos os partidos, como há maus indivíduos em todas as famílias...
Daí então, se nós sairmos generalizando, e culpando a Doutrina pelos maus exemplos de alguns dos seus profitentes, dos seus imperfeitos profitentes, obviamente que nós seremos muito mais infelizes, e a nossa busca pela Doutrina Espírita deve ter sempre nos espiritistas o relativismo de compreendê-los pessoas humanas, passíveis de equívocos, de erros, conforme nós próprios somos.
Daí, buscar Espiritismo, Doutrina, deve ser não através do comportamento dos outros, mas através do estudo aprofundado da Codificação Espírita.
LC. Deixe, por favor, suas palavras finais de orientação para os leitores do periódico Luz no Caminho.
Raul. Queremos saudar os leitores do Luz no Caminho, dizendo-lhes desta hora tão importante, tão maravilhosa que estamos vivendo na Terra, quando temos ensejo de ao invés de perguntarmos a Deus por que nos situou Ele neste mundo tão complexo da atualidade, com tantos problemas, com tantas dificuldades, com tanta corrupção, com tanto desamor, que nós perguntemos ao Senhor que nada faz por acaso: Senhor, que queres Tu que eu faça?, repetindo as expressões do célebre Paulo de Tarso, ao cair do animal em que estava montado e levantar-se para encontrar a vida.
Senhor, que queres que eu faça?
E, se depois da pergunta, mantivermos os ouvidos de ouvir, a que se refere Jesus Cristo, ouviremos, sem dúvida, o Senhor a nos dizer que deseja que nós cuidemos melhor da própria intimidade, que trabalhemos melhor na pauta da nossa família, sirvamos melhor ao mundo, como nossa família maior, com os esclarecimentos de Luz, de Verdade e de Amor que a Doutrina Espírita a todos nos oferece.
Enviado por Rogério Coelho.
Em 8.5.2013.